Carta de
Amor de um Biólogo
Você tem
uma nomenclatura muito linda, mas saiba que eu a amaria mesmo que
você se chamasse Ergastoplasma... Sabe que quando a
vejo, minhas mitocôndrias entram em fermentação, a meiose acelera -
se e os meus gâmetas ficam todos assanhados? É verdade porque
você tem um fenótipo tão lindo que tenho uma tese de que o seu
código genético foi sequenciado por um artista muito inspirado, em
plena geração espontânea.
Quando você surge, em movimentos amibóides, bela, túrgida e charmosa,
começo a sentir os efeitos das reações físico-químicas no meu
organismo. O seu tropismo em relação a mim afecta o córtex do meu
sistema sensorial! Ao tocar na sua celulósica mão, os nossos
glicocálix encontram-se. E se os seus olhos, perdidos, semelhantes a
ocelos de planária, não se cansam de me fixar, é porque a minha
antena está ligada a você. A sua cetácea presença mexe com as
minhas enzimas, hormonas, neurotransmissores, até a minha cadeia
respiratória já não funciona bem , nem mesmo para a coordenação do
meu trémulo tríceps. Do meu frontal escorre o que restou de secreção
sudorípara. As suas ferormonas tiram-me realmente da
homeostase. os seus cílios e pillos causam-me flagelos impensáveis.
Palpitações sistólicas rebentam o meu pericárdio.
Ah, querida, e quando quero repôr as perdas metabólicas e a
levo a uma pastelaria para posicionar os nossos níveis
tróficos, a única gelatina que nos interessa é aquela biomassa
saborosa a que chamamos meio de cultura!
Mas apesar da nossa relação harmónica em franca evolução,
ultimamente você está num estado de isolamento do que foi a nossa
protoplasmática simbiose. Sabe, se você continuar tratando-me com
tanto acaso, vou me sentir menos que um insecto, um verme! Você dá
mais atenção às suas amigas, aquela tal de Drosóphila, à Taenia, a
quem, por sinal, nunca fui apresentado, do que a mim... E quem é
esse tal de Rhesus, hein? Ah meu Deus! Será que estou com complexo
de Golgi? Devo estar entrando naquele ciclo maldito - o ciclo de
Krebs... e se esse processo selectivo continuar sou capaz de cometer
uma loucura, uma apoptose.
Por favor, não me trate assim de forma virulenta, feito uma amiba ou
um "Cavia porcellus porcellus", pois a estes sei que você dedica
apenas olhares científicos e sem paixão. Eu não sou uma cobaia de
laboratório. Eu não bacilo nem quando fico como um vibrião colérico.
Espero que você deduza que o meu sonho é passear abraçadinho consigo
igual a um carrapato, num lindo dia de sol, em Galápagos, dizendo
para mim mesmo: Cromossomos felizes!"
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